terça-feira, 14 de março de 2006

Reinvento


"É ressaca de carnaval no Brasil. Você vai para a folia? Muito legal. Aproveite bem. Conheço um monte de gente bacana que fica o ano todo planejando a festa, com aquele friozinho na barriga de quem antecipa uma explosão de prazer, uma oportunidade única de transgressão, de desligamento temporário da autocensura e das convenções sociais.
Algumas dessas pessoas são de fato criaturas dionisíacas. Gente que está sempre pronta a sugar da vida tudo o que ela tiver para dar. Gente alegre, para cima, que adora sorrir e fazer sorrir. São as cigarras do mundo. Uma turma que não se poupa, não guarda muitas preocupações nem enfrenta grandes crises morais. Seu foco nesta vida, afinal, é muito claro: sentir prazer, gozar muito, provar os sabores, dar risada.
Algumas das pessoas que vão cair de boca neste Carnaval, no entanto, não são dionisíacas, não têm essa leveza de alma nem esse desapego todo em relação a limites. Ao contrário: são pessoas que tentarão exorcizar na festa os pesados fantasmas que carregam consigo. Buscarão, de preferência longe de casa, do trabalho, dos amigos, numa cidade que fale outro sotaque, em meio ao clima de irrealidade e de exceção desses quatro dias, romper na marra e a fórceps com os grilhões do seu superego, com as regras caretas que regem a sua conduta diária, com o opressor senso de decência que lhes define.
Conheço mulheres travadas, de todas as idades, com medo da vida, de amar, de entregar a sua alma a alguém, de abrir verdadeiramente o seu mundinho para a felicidade entrar, que neste Carnaval tentarão desesperadamente extrair de dentro de si algo que não são. Garotas solitárias sairão seminuas debaixo de um abadá - como se isso fosse trazer para perto delas alguém de verdade, alguém com "a" maiúsculo. Moças infelizes sairão arreganhadas dentro de um shorts mínimo - como se a superexposição das suas carnes pudesse compensar a reclusão dos seus espíritos; como se recusar o papel de beata (que lhes dá ojeriza) pelo papel de devassa (que lhes enche de medo) pudesse lhes operar um milagre na auto-estima.
Só que nada disso resolverá os grilos dessas mulheres Ao contrário: esse vôo cego as torna ainda mais frágeis. E os seus grilos, mais evidentes e insuportáveis. Quem está insatisfeita consigo mesma deve procurar ajuda e não se auto-imolar em praça pública.
Não estou aqui fazendo um juízo de valor sobre soltar a franga. Quer soltar a sua na multidão? Divirta-se! Você tem o direito. Como qualquer outra mulher poderosa, interessante e independente. Como qualquer homem. Cair matando e curtir adoidado pode ser, sim, o maior barato. Desde que esta seja uma saída autêntica para você. Desde que você se sinta bem, que isso lhe faça feliz de verdade e que tenha a ver com quem você é lá no fundo.
Eis o meu ponto: tudo é lindo e permitido quando se é espontâneo e quando ninguém sai machucado. Se você é uma bacante maravilhosa, uma caçadora dos tesouros escondidos dentro da indumentária masculina, beba o Carnaval de canudinho - junto com todos os prazeres que o folguedo puder lhe oferecer. Tudo certo. Não há vergonha nenhuma nisso.
Mas se você não é exatamente uma ninfomaníaca, se é um pouco mais romântica ou se está num outro ritmo de vida e num outro astral no momento, não precisa posar de serial killer sexual. Com muita freqüência a gente toma atitudes pensando no impacto que vão causar na visão que os outros têm da gente. Mas é importante pensar um pouquinho também no impacto que seus atos vão ter na visão que você tem de si mesma, na relação que você tem consigo. Não force a sua barra em nome de um padrão de comportamento - que pode ser o de todos mas que talvez não seja necessariamente o seu. E tudo certo. Não há vergonha nenhuma em se respeitar, em se aceitar, em ser quem você é.
"With Or Without You", uma música belíssima do U2, tem uma estrofe em que Bono lamenta repetidas vezes: "And you give yourself away". (Que eu interpreto como "E você se entrega por aí".) É um pouco essa sensação que eu tenho ao observar o comportamento sexual autodestrutivo de algumas mulheres. (É curioso como boa parte das mulheres escolhe a cama para se flagelar.) Ultrapassar os limites do bom senso - que são individuais, portanto só você poderá dizer quais são os seus - é sempre uma atitude de autodepreciação, de desvalorização e de desrespeito de você por si mesma.
A esbórnia, enfim, pode ser uma bênção para quem souber usar. E um copo de vinagre para quem não estiver muito segura do que está fazendo ali. Na dúvida, fica a sugestão: só enfie o pé na jaca se você souber direitinho como tirá-lo incólume de lá depois."


Então eu vos exorto: aonde queres chegar?

Um comentário:

Anônimo disse...

É Raul... ce ta escrevendo bem hein? Tem umas palavras esquisitas aí que nao sei de onde vc tirou (nao que isso seja o motivo pelo qual vc escreve bem).

Mas eita que auto-ajuda pra mulheres vagabundas hein? Espero que alguma delas leia.

Mulher é bicho doido, sô.