quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A rede é um masturbadromo (Blog do Alphen)

Desde que a Internet surgiu, somos confrontados, com uma frequência nunca antes vista, a muitos paradoxos que revelam contradições entre propósito e prática. É de ficar tonto.

E as redes sociais são o laboratório mais eloquente da alma humana e suas patologias sociais.

- Propósito: as redes sociais aproximam as pessoas, intensificam a comunicação interpessoal e os relacionamentos.

- Prática: as pessoas usam as redes para promover-se, destacar-se ou, simplesmente, existir. É o atávico complexo de identidade e individuação que motiva as pessoas, que prevalece sobre a necessidade de interação.

A rede social é vitrine antes de sala de estar. Os relacionamentos atravessam o show-room rara ou superficialmente.

A interação que realmente interessa é apreciativa, “gostei/não gostei”. E quanto mais formos gostados, mais seremos apreciados, replicados, referenciados. A rede me aproxima de mim mesmo.

Em alguns casos, as redes sociais são um estilingue de reputação; em outros, um bumerangue. Projetam e ridicularizam. Douram ou denigrem as identidades.

Integração, convivialidade, aproximação não passam de álibis intelectuais para mascarar o hedonismo. Troca de informação, intercâmbio de ideias, e os debates são desculpas para justificar o exibicionismo.

Fonte: http://www.alphen.com.br/2010/11/25/a-rede-e-um-masturbadromo/

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Pés molhados

Vejo entrando um a um - ofegantes como nadadores que atravessaram a braçadas a Bahia de Guanabara - os bravos que empunharam seus guarda-chuvas e saíram de casa nesse dia em que o céu resolveu desabar tão cedo. Na repartição em que trabalho, sombrinhas de todas as cores, modelos e tamanhos, colocadas lado a lado, descansam e parecem compor uma exposição de arte moderna. O chão, até o momento mais sólido e mais fixo do que o céu, vai sendo coberto pela água que escorre das sombrinhas, pela água que escorre do canto da parede, pela água que parece querer ocupar todo o espaço sobre o qual o esforço humano um dia ousou construir sua frágil edificação.

Me lembro da época em que eu era mais pedestre do que hoje. Sem carro, sem carteira de motorista. A tarefa elementar de sair de casa nos exigia uma dose extra de coragem. Não havia alternativa. Se o pretendente não fosse habilidoso o bastante para se arriscar com uma bicicleta, fazendo malabarismos com uma mão no guidão e a outra segurando o guarda-chuva, o jeito era respirar fundo e se lançar sobre o lamaçal em correnteza. Era preciso molhar os pés e o desagrado que isso causava fazia o mundo parecer muito pior do que ele realmente era. O incômodo aumentava ainda mais quando era preciso – após uma caminhada vã de passos milimétricos à procura do pedaço de chão mais raso – entrar em algum local público (como as repartições), pois os sapatos encharcados cuspiam água e grunhiam a cada passo que se dava.

Nos dias de pés molhados tudo era motivo para revolta. Xingava-se desde os fabricantes de guarda-chuva que, diga-se de passagem, na época eram melhores profissionais que os de hoje, até a prefeitura, que não havia elaborado um projeto de escoamento decente para impedir que se formassem enxurradas tão grandes nas ruas.

Quem se molhou se molhou. Sabe o que é ter que conviver com essa tendência ao azar que o período chuvoso sempre traz. Sabe o que é ter essa lembrança incômoda e perseguidora que sempre resistirá ao tempo e nos acompanhará.

Hoje, meus pés permanecem secos durante todo o dia. Posso me deslocar para onde eu quiser sem o risco de molhá-los. A rua onde moro continua a alagar toda vez que chove, mas o acesso a um automóvel me priva de ter que enfrentar enxurradas d’água que chegariam à altura dos meus joelhos.

Quando, novamente uma a uma, as pessoas levantam seus guarda-chuvas como espadas num confronto entre gladiadores, para saírem da repartição e ganharem novamente a rua alagada, sinto meu coração apertar. É a vontade de ir junto e encharcar os pés na esperança de esvaziar a consciência. A coragem que reside nos pequenos gestos engrandece quem os pratica, pois, a mera intenção de superação – independente do tamanho do desafio – obriga o indivíduo a olhar para si mesmo com menos pena e mais confiança.

Penso no dia de amanhã, nas nuvens indo embora, na lama secando sobre a calçada, no sol voltando a esquentar o dia e todas as pessoas que buscam ao sol o seu lugar. O cotidiano volta a ser dono de nossas vidas com toda a sua aridez e as possibilidades de felicidade, agora sim, parecem ser mais egoístas, como diz a canção.

Na nova manhã em que a vida parece recomeçar com uma dose maior de energia, procuro nuvens no azul absoluto. Procuro reaprender a passar por cima do que se coloca como pedra no caminho. Procuro de novo meu lugar à chuva.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Brasil ocupa a 69ª posição no ranking dos países mais corruptos do mundo, segundo relatório emitido pela Transparência Internacional (TI). Porém, com um pequeno detalhe: o grau de corrupção é medido de cabeça pra baixo. Na América Latina, só perdemos para Argentina e Venezuela.


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sobre disciplinar o ego


Aqui estou eu mais uma vez com minhas elucubrações sobre o comportamento humano. As vezes me pergunto: por que não entrei no curso de psicologia? Vai saber. Talvez pelo fato da ostentação de se dizer "Jornalista" naquela época ainda fazer algum sentido. A vaidade é mesmo uma faca de dois legumes: faz a gente acreditar no que vai nos ridicularizar um segundo depois.

E por falar em vaidade, lembrei da aventura que é estar permanentemente perto desses exemplares da espécie humana que, cheios de si, se afogam na própria soberba. Passam-se os anos e os comportamentos são sempre os mesmos. O cidadão passa gel no cabelo e pensa que é Reinaldo Gianecchini, o fortão rebaixa o carro e coloca alto-falantes (mais caros que o próprio veículo) para sair acordando a cidade inteira madrugada adentro e se fazer notar, o advogado mente despudoradamente para o juiz e para o cliente e se acha um profissional exemplar, o "músico" aprende a fazer meia dúzia de acordes e se julga merecedor da fama. E a lista segue sem fim.

Estão todos unidos no mesmo hall e assolados pela mesma carência dessa noção que vai muito além da "falta de humildade". Uma incapacidade de olhar para si mesmo com mais honestidade. Quando não há espaço para a auto-crítica, a necessidade (inconsciente?) do ser humano de se tornar admirado por seus semelhantes vai se tornando uma meta que - por ser inatingível - corrompe o caráter.

É comprovadamente difícil conviver com gente que não consegue segurar as rédeas. Gente que acaba, não apenas alimentando o fogo, mas caindo de cabeça na fogueira do próprio ego. Por isso, fica claro que a vaidade é uma chama flamejante que não se apaga nunca dentro de ninguém, mas que em alguns é mais branda, e em outros, se me é permitido o eufemismo, um pouco feroz.

Dessa maneira, há quem pense, há quem aja e há quem não pense nem aja, apenas fale. E a retórica inflamada em prol da auto-promoção é como um bicho-de-pé que o sujeito percebe, mas finge não ver só para curtir aquela coceirinha gostosa que dá enquanto o bicho cresce. O problema é que as vezes o bichinho cresce demais, se transforma em enfermidade e come o pé inteiro. Aí não tem saída, só amputando.

Então, se tiramos a viseira e olhamos ao redor com um pouquinho mais de atenção, notamos que tem "perneta" aos montes em cima de palanque fazendo discurso, em cima de palco cantando, conjecturando em importantes reuniões, dando sermão a frente de assembléias em igrejas, em todo o canto em que haja gente.

Mas a vaidade exacerbada é o verdadeiro tiro que sai pela culatra. O vaidoso - cedo ou tarde - cai na realidade, cai do palanque, cai do altar. Seu tapete é puxado pelo senso de desconfiança que povoa o inconsciente coletivo. Ele é humano e falível. Passível de erro. E quem erra não tem perdão.

A crueldade humana para atirar pedras nos que cometem falhas é proporcional a sua imbecilidade para adorar os vaidosos.

E dá-lhe pedrada!

Retirado daqui: http://foradoeixo.org.br/raulmariano