quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Ela era um tipo de mulher que não carecia de cuidado. Não precisava retocar os lábios, acentuar a cor das bochechas, reparar as sobrancelhas ou as unhas. Tampouco precisava de companhia para seguir até o portão de casa, caso chegasse tarde de qualquer compromisso a que tivesse ido, certamente sozinha. Era o exemplar de mulher efetivamente independente, diferentes de todas as outras que - sempre camuflando sua dependência na própria rebeldia - desabavam em momentos de tensão maior.

Ela acreditava em parto sem dor, e se tivesse nascido homem, seria “o homem atrás do bigode: sério, simples e forte.” A criação que teve a fez perceber cedo demais que era altamente prejudicial acreditar nos outros. As pessoas seriam sempre pessoas e, portanto, reféns – assim como ela – das mesmas dúvidas, medos e inquietações.

Ser mulher era ter que suportar um mundo feito para homens. Era vestir o vestido de uma estranha; com medidas diferentes das suas, e ter que se acostumar. Se acostumar era algo que incomodava demais, pois para ela, a vida de todas as suas antepassadas, resumia-se a habituar-se a uma rotina que estava longe de ser o que alguma mulher queria para si. Era como se, no momento em que ela se visse numa situação que lhe exigisse adaptação, ela capturasse o ódio acumulado de todas as suas ancestrais e o concentrasse na garganta. E convertia no grito tudo o que fosse dor.

Ela conhecia os bons modos, mas não se preocupava em seguí-los. Não tinha muitos amigos, não pretendia ter. Não tinha muito dinheiro, não precisava ter. No mundo, pensava ela, o sujeito é que ele tem. Quem não tem nada não é ninguém.

E a vida passava com o tempo. O tempo passava com a vida. O tempo trazia rugas e certezas, a vida trazia outras noções de tempo. Na madureza era preciso se virar ao avesso. Mostrar que a juventude morava na alma e que o corpo era só abrigo. E que por dentro, nada envelhece. Tudo aspira apenas um mudança de lugar. Na vida e no tempo.