O texto abaixo é o trecho de um memorial que fiz para disciplina Prática de Ensino.
Deveríamos falar de nosso primeiro olhar geográfico, as primeiras impressões...
"Não me lembro bem como foi que de repente essa idéia se plantou na minha cabeça de menino. Menino... Acostumado com os pequenos verdes duros do cerrado no de redor da casa - os pés no chão, cabecinha nas nuvens. Brincadeiras de ir e vir. Buscar cajuzim, murici, sangue-de-cristo, pequi... Todos os sabores do mato eu sabia. Os bichos - sempre gostei mais de ver do que de matar.Tinha dó, inda hoje tenho. Adorava ver pica-pau voando seu vôo picado. Três batidas de asa e se fingia que caia no ar, pra depois levantar vôo de novo -e lá se ia o bicho voando no seu desajeito. Deselegância bonita. Tinha também as “trucal”, estas não se paravam muito por perto, não. Ariscas, passavam em bando no seu vôo cheio de silêncio e pressa. Os passarinhos tesoura apareciam mais pra Setembro, comecinho das chuvas. Caçavam com maestria as mutucas depois da invernada... Eu ganhava longas horas dos meus dias apreciando o “de fazer” dos bichos todos. Ah, eu gostava muito disso. E era assim, os dias se passando. A nossa casa só no reboco, ainda em construção -eu na frente do que seria a varanda olhando aquele mundo quintal. Resto de tardinha. E mãe me chamava pra entrar. Entrar, eu não entrava assim de primeira, ficava na porta e olhava o morro. É, e tinha o morro. O morro era o mundo? O morro me intrigava, não via o depois dele. O que viria? Tinha outro o quê? Eu lá sabia? E dei de pensar no morro... Todo dia imaginava o que havia de se esconder ali, por detrás dele. Mas nunca que via nada. Nuvem branca nublando minha mente. Pensava, Pensava... E então um dia, dei por solucionado o mistério. Descobri. Atrás do morro tinha uma onça. É, uma onça. Os grandes olhos de gato, bicho absurdo de grande, deitada preguiçosa numa moita de capim-meloso. Minha idéia de menino. Eu via. E me bateu uma vontade de subir o morro, topar com a felina. Eu podia... Passei o dia fazendo minha zagainha de bambu, que cortei no bambuzal do Bequinho. Ponta de canivete na frente, reluzindo. Arma de se matar assim de espeto, o bicho pulando por de cima de mim, e só eu furando o coração por debaixo do braço monstro dela. Ah, eu podia sim! À noite nem sei se sonhei, dormi num vendaval - a pressa de uma nova manhã. Acordei num pulo, e já me vi correndo no meio do mato. O cheiro da manhãzinha ainda ia alto, molhado. Fui subindo o morro, suor pingando na cara. Um casal de papagaios passou voando. Vi nem vi -só o morro e a onça cabiam no meu peito. E o morro foi se acabando. Fui chegando... E a zagainha tremia nas mãos. Foi então que vi-descobri, eu no alto do morro, lá do alto... Não havia onça nenhuma. Nenhum bicho de se pegar na luta. Só um mundo grande demais, de não se caber nos olhos, nem de se abarcar na alma miúda de gente criança. Imensidão muda. O mundo que se abria num quase infinito se fez meu... Os quintais e varandas haviam ficado pequeninos demais – como um menino.
E dei de crescer...
Deveríamos falar de nosso primeiro olhar geográfico, as primeiras impressões...
"Não me lembro bem como foi que de repente essa idéia se plantou na minha cabeça de menino. Menino... Acostumado com os pequenos verdes duros do cerrado no de redor da casa - os pés no chão, cabecinha nas nuvens. Brincadeiras de ir e vir. Buscar cajuzim, murici, sangue-de-cristo, pequi... Todos os sabores do mato eu sabia. Os bichos - sempre gostei mais de ver do que de matar.Tinha dó, inda hoje tenho. Adorava ver pica-pau voando seu vôo picado. Três batidas de asa e se fingia que caia no ar, pra depois levantar vôo de novo -e lá se ia o bicho voando no seu desajeito. Deselegância bonita. Tinha também as “trucal”, estas não se paravam muito por perto, não. Ariscas, passavam em bando no seu vôo cheio de silêncio e pressa. Os passarinhos tesoura apareciam mais pra Setembro, comecinho das chuvas. Caçavam com maestria as mutucas depois da invernada... Eu ganhava longas horas dos meus dias apreciando o “de fazer” dos bichos todos. Ah, eu gostava muito disso. E era assim, os dias se passando. A nossa casa só no reboco, ainda em construção -eu na frente do que seria a varanda olhando aquele mundo quintal. Resto de tardinha. E mãe me chamava pra entrar. Entrar, eu não entrava assim de primeira, ficava na porta e olhava o morro. É, e tinha o morro. O morro era o mundo? O morro me intrigava, não via o depois dele. O que viria? Tinha outro o quê? Eu lá sabia? E dei de pensar no morro... Todo dia imaginava o que havia de se esconder ali, por detrás dele. Mas nunca que via nada. Nuvem branca nublando minha mente. Pensava, Pensava... E então um dia, dei por solucionado o mistério. Descobri. Atrás do morro tinha uma onça. É, uma onça. Os grandes olhos de gato, bicho absurdo de grande, deitada preguiçosa numa moita de capim-meloso. Minha idéia de menino. Eu via. E me bateu uma vontade de subir o morro, topar com a felina. Eu podia... Passei o dia fazendo minha zagainha de bambu, que cortei no bambuzal do Bequinho. Ponta de canivete na frente, reluzindo. Arma de se matar assim de espeto, o bicho pulando por de cima de mim, e só eu furando o coração por debaixo do braço monstro dela. Ah, eu podia sim! À noite nem sei se sonhei, dormi num vendaval - a pressa de uma nova manhã. Acordei num pulo, e já me vi correndo no meio do mato. O cheiro da manhãzinha ainda ia alto, molhado. Fui subindo o morro, suor pingando na cara. Um casal de papagaios passou voando. Vi nem vi -só o morro e a onça cabiam no meu peito. E o morro foi se acabando. Fui chegando... E a zagainha tremia nas mãos. Foi então que vi-descobri, eu no alto do morro, lá do alto... Não havia onça nenhuma. Nenhum bicho de se pegar na luta. Só um mundo grande demais, de não se caber nos olhos, nem de se abarcar na alma miúda de gente criança. Imensidão muda. O mundo que se abria num quase infinito se fez meu... Os quintais e varandas haviam ficado pequeninos demais – como um menino.
E dei de crescer...
5 comentários:
Nossa, muito bom mesmo, não me lembro de ter lido algo parecido... Gostei muito!
Excelente meu velho! Um texto pra salvar o domingo!
Abs!
Nossa, Alves, que texto lindo. Literatura pura, e é real. Fico imaginando seu professor quando leu esse texto. Certamante, em meio a vários relatos técnicos e sem emoção,uma obra prima. Parabéns!
E feliz dia da amizade para os dois rapazes!
Beijos!
Sabe Ferdi, o pessoal na sala brinca pra caramba comigo por conta disso. Dizem que sempre tiro notas altas por conta destes meus textos mais literários do que acadêmicos... Fazer o quê? Na verdade acho uma chatice todas aquelas normas e regras da academia e acabo sempre procurando outros caminhos interessantes para me dar mais prazer na hora da escrita. Ré,ré!
Abs e Feliz dia da amizade também!
"Só um mundo grande demais, de não se caber nos olhos, nem de se abarcar na alma miúda de gente criança. Imensidão muda. O mundo que se abria num quase infinito se fez meu... Os quintais e varandas haviam ficado pequeninos demais – como um menino.
E dei de crescer..."
Eu gostaria que você acreditasse muito no que vou dizer: Teu texto-prosa é a melhor coisa que eu já li, em termos de literatura, aqui na web. Sim. Eu gostaria muito mesmo que você acreditasse. E se colocasse pra escrever. Corre, menino escrever! Você já temum livro. Ou muitos. Tua prosa tem ritmo. A gente lê e quer voltar. Lembra Manoel de Barros. Quando percebi a não-existência da onça, lembrei dele na hora quando diz: "As coisas que não existem são as mais bonitas." A onça não estava lá. Mas era tudo tão lindo.
Meu querido, estou fascinada com o que escreveu. Eu estava devendo uma visita ao teu blog e quando chego aqui, eu fico assim: abobada. Tantas imagens remontaram também na minha cabeça-menina que me emocionei. Tenho tantas coisas pra dizer sobre teu texto. É muito rico de imagens. E você leva a gente na prosa de um jeito tão gostoso feito conversa boa de mineiro. Isso! Você conversa no texto. Obrigada por ter ido ao meu blog e ter me convidado pra vir aqui. Parabéns! Eu quero mais! Beijos, mô amorim
www.estripitizese.blogspot.com
Fiquei assim: numa "imensidão muda"
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