Junho
Alceu Valença
Eu sei que é junho, o doido e gris seteiro
Com seu capuz escuro e bolorento
As setas que passaram com o vento
Zunindo pela noite, no terreiro
Eu sei que é junho!
Eu sei que é junho, esse relógio lento
Esse punhal de lesma, esse ponteiro,
Esse morcego em volta do candeeiro
E o chumbo de um velho pensamento
Eu sei que é junho, o barro dessas horas
O berro desses céus, ai, de anti-auroras
E essas cisternas, sombra, cinza, sul
E esses aquários fundos, cristalinos
Onde vão se afogar mudos meninos
Entre peixinhos de geléia azul
Eu sei que é junho!
Alceu é um gênio e esta música é linda...
Já passei um inverno no nordeste, aquela chuvinha fina batendo na cara da gente... Por que é que gosto de tudo ao contrário (todo mundo idolatra o sol do nordeste)?
Ré,ré!
segunda-feira, 30 de junho de 2008
Poema contra a solidão
O silêncio que se materializou perverso
o silêncio que aboliu a canção
seja agora corrompido
tenha seu hímen obstruído pelo barulho poluído do meu instrumento.
o silêncio que encarnou o vazio
o silêncio que se fez interior
seja nesse instante dilacerado
por um ruído humano, sólido e rosado.
o silêncio e todas as peças imateriais que o compõem
derretam no fogo de qualquer microfonia
e formem um homem novo
feito mais de barulho que de silêncio.
o silêncio que aboliu a canção
seja agora corrompido
tenha seu hímen obstruído pelo barulho poluído do meu instrumento.
o silêncio que encarnou o vazio
o silêncio que se fez interior
seja nesse instante dilacerado
por um ruído humano, sólido e rosado.
o silêncio e todas as peças imateriais que o compõem
derretam no fogo de qualquer microfonia
e formem um homem novo
feito mais de barulho que de silêncio.
segunda-feira, 23 de junho de 2008
MÚSICA PRA SALVAR O DIA
QUALQUER - Arnaldo Antunes / Hélder Gonçalves / Manuela Azevedo
qualquer traço linha ponto de fuga
um buraco de agulha ou de telha
onde chova
qualquer perna braço pedra passo
parte de um pedaço que se mova
qualquer
qualquer fresta furo vão de muro
fenda boca onde não se caiba
qualquer vento nuvem flor que se imagine além de onde o céu acaba
qualquer carne alcatre quilo aquilo sim e por que não?
qualquer migalha lasca naco grão molécula de pão
qualquer dobra nesga rasgo risco
onde a prega a ruga o vinco da pele
apareça
qualquer lapso abalo curto-circuito
qualquer susto que não se mereça
qualquer curva de qualquer destino que desfaça o curso de qualquer certeza
qualquer coisa
qualquer coisa que não fique ilesa
qualquer coisa
qualquer coisa que não fixe
qualquer traço linha ponto de fuga
um buraco de agulha ou de telha
onde chova
qualquer perna braço pedra passo
parte de um pedaço que se mova
qualquer
qualquer fresta furo vão de muro
fenda boca onde não se caiba
qualquer vento nuvem flor que se imagine além de onde o céu acaba
qualquer carne alcatre quilo aquilo sim e por que não?
qualquer migalha lasca naco grão molécula de pão
qualquer dobra nesga rasgo risco
onde a prega a ruga o vinco da pele
apareça
qualquer lapso abalo curto-circuito
qualquer susto que não se mereça
qualquer curva de qualquer destino que desfaça o curso de qualquer certeza
qualquer coisa
qualquer coisa que não fique ilesa
qualquer coisa
qualquer coisa que não fixe
quinta-feira, 19 de junho de 2008
EVAPORAR
O futuro tem, pelo menos, a vantagem de não ser o presente.
Apesar de imprevisível, inacessível e descolorido, ainda não uma realidade que doa no estômago. O futuro pode ser um alicerce para a projeção da miséria humana em toda sua infalibilidade ou uma verdade da qual não queiramos saber. Não importa. Basta se encharcar do agora que possuímos como um pano de chão embebido de lama para sentir o que eu estou falando. O agora me traz sentimentos que de tão interiores chegam a ser vazios: não descubro, pressinto.
Há que se entender tantos sinais a nossa volta. Tatear no escuro do mundo nossa imaterialidade. Entrar em estado gasoso, já que é assim que dizem que as almas se materializam. Mas no futuro a gente sabe que não existe alma. Lá, alma é mentira e uma mentira que convence mais do que qualquer verdade.
Olha só que verdade triste: por ter mais dinheiro do que os que passam fome já sou, de algum modo, desonesto. Sou um elo formador da corrente da desigualdade. Contribuo para o distanciamento consentindo. E mesmo no momento da covarde fuga sou capaz de me sentir bem: já providenciaram uma música para esse momento. Anestesiaram a dor de sermos o que somos e estarmos nesse mundo em forma de gente em vez de outra coisa.
A “verdade realmente verdadeira” é que a vida é cheia de problemas e a gente passa tempo demais tentando ser discreto. É preciso evaporar. Conseguir se transportar para o futuro, porque este, ao menos tem a vantagem de não ser o presente.
Apesar de imprevisível, inacessível e descolorido, ainda não uma realidade que doa no estômago. O futuro pode ser um alicerce para a projeção da miséria humana em toda sua infalibilidade ou uma verdade da qual não queiramos saber. Não importa. Basta se encharcar do agora que possuímos como um pano de chão embebido de lama para sentir o que eu estou falando. O agora me traz sentimentos que de tão interiores chegam a ser vazios: não descubro, pressinto.
Há que se entender tantos sinais a nossa volta. Tatear no escuro do mundo nossa imaterialidade. Entrar em estado gasoso, já que é assim que dizem que as almas se materializam. Mas no futuro a gente sabe que não existe alma. Lá, alma é mentira e uma mentira que convence mais do que qualquer verdade.
Olha só que verdade triste: por ter mais dinheiro do que os que passam fome já sou, de algum modo, desonesto. Sou um elo formador da corrente da desigualdade. Contribuo para o distanciamento consentindo. E mesmo no momento da covarde fuga sou capaz de me sentir bem: já providenciaram uma música para esse momento. Anestesiaram a dor de sermos o que somos e estarmos nesse mundo em forma de gente em vez de outra coisa.
A “verdade realmente verdadeira” é que a vida é cheia de problemas e a gente passa tempo demais tentando ser discreto. É preciso evaporar. Conseguir se transportar para o futuro, porque este, ao menos tem a vantagem de não ser o presente.
sábado, 14 de junho de 2008
ELA
Ela foi feita pra realizar desejos. É a solução para os meus sonhos não consumados. É um paraíso para as vontades da carne. É uma ordem irracional, um “carpe diem” da boca pra fora, uma profecia vã.
Eu nela sou eu mesmo? E o que há dela em mim, além do próprio mandamento de adorá-la em segredo e em silêncio?
Ela foi modelada com todo o zelo até no seu jeito de ser desleixada. Tudo que a compõe foi calculado para ser de meu agrado. Sim. Eu gosto das unhas com esmalte descascando, as unhas mal ruídas. Eu gosto do cabelo embaraçado, preso para disfarçar os nós e gosto das pontas ressecadas de cada fio, queimadas de sol. Eu gosto da calça barata e surrada, apertando matéria em espaço insuficiente.
Ela foi feita para, de alguma forma, eu despejar meu gozo. Mesmo que só em pensamento? só com o olhar? Nela estaria a amplitude absoluta do sentimento? Do desejar antes, gostar depois? Do “se amassar” antes de saber o nome? Nela estaria a significação da mediocridade inerente a mim? A justificativa para a tão condenada banalização do amor? Nela estaria a perdição que eu procuro? Há maneira de se perder em alguém? E o amor, já não é banal antes de existirem ela, eu e toda essa bobagem?
Ela é a porta menos estreita, escancarada, pedindo calada pra ser invadida. Serei eu, algum dia, o invasor?
Ela é a outra vida nessa vida. Tesão platônico.
Eu nela sou eu mesmo? E o que há dela em mim, além do próprio mandamento de adorá-la em segredo e em silêncio?
Ela foi modelada com todo o zelo até no seu jeito de ser desleixada. Tudo que a compõe foi calculado para ser de meu agrado. Sim. Eu gosto das unhas com esmalte descascando, as unhas mal ruídas. Eu gosto do cabelo embaraçado, preso para disfarçar os nós e gosto das pontas ressecadas de cada fio, queimadas de sol. Eu gosto da calça barata e surrada, apertando matéria em espaço insuficiente.
Ela foi feita para, de alguma forma, eu despejar meu gozo. Mesmo que só em pensamento? só com o olhar? Nela estaria a amplitude absoluta do sentimento? Do desejar antes, gostar depois? Do “se amassar” antes de saber o nome? Nela estaria a significação da mediocridade inerente a mim? A justificativa para a tão condenada banalização do amor? Nela estaria a perdição que eu procuro? Há maneira de se perder em alguém? E o amor, já não é banal antes de existirem ela, eu e toda essa bobagem?
Ela é a porta menos estreita, escancarada, pedindo calada pra ser invadida. Serei eu, algum dia, o invasor?
Ela é a outra vida nessa vida. Tesão platônico.
sábado, 7 de junho de 2008
Ilustração/Quadrinho Sobre Desmatamento
quarta-feira, 4 de junho de 2008
FILOSOFIA BARATA
Tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Ou é o tempo que acontece durante o correr das coisas? Não sei. Sinceramente não sei. Talvez sejam as duas coisas, ou talvez as duas coisas sejam uma só.
De que vale a intenção de saber mais sobre as coisas?
Se uma coisa existe, uma intenção existe.
Uma pedra existe.
segunda-feira, 2 de junho de 2008
POEMA DE QUALQUER UM
É impossível, meu amor
fugir da vida, contar o tempo, medir o mundo.
É esforço vão tentar saber de tudo.
É uma enorme bobagem
tentar fugir daquilo em que a gente não acredita
[A verdade mais falsa do mundo é
se olhar no espelho, todo dia de manhã]
Participar de acontecimentos e
resistir ao passar do tempo
não é uma virtude exclusiva.
É possível influênciar alguma
coisa no mundo mesmo passando despercebido.
Não se sinta derrotada só porque você
não tem certeza de nada do que você faz;
para ser mais feliz, não sinta.
Tenha fé na força do silêncio.
Já basta.
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