quarta-feira, 15 de março de 2006

Caminhada


João ia atrasado (o atraso ia sempre com ele). Era longe o serviço. Fazia palavras cruzadas ou dormia. O que desse. Dormiu. Sentou na frente. Não importava se podia ou não sentar ali. Primeira curva, primeiro ronco. A bala escorrendo pela boca aberta. Boca grande. Gente entrando mais que saindo. E o ônibus inflando. Um cego, um manco, uma grávida. Outra grávida e uma criança no colo. Um, dois, muitos velhos. Estendidos, equilibrando. Pessoas indo acordar o mundo. E João. Abriu os olhos, era chegada a vez. Levantou o corpão. Depressa. Esbarrou no velho. Tropeçou na grávida. Derrubou a bengala do cego. Desceu. Abriu outra bala, jogou fora o papel, na calçada. De o primeiro passo. Caminhou. Um verdadeiro cidadão.
É como abrir um livro velho. Caminhar por caminhar, ao léo de suas vontades, pode se tornar uma revisita, ou reflexão, à própria vida. Andando pelas ruas, é possível ir se integrando à sua paisagem, fazendo parte de sua respiração, entrando na cadência de sua própria pulsação, tendo uma visão tão refrescante das árvores ladeando a caminhada, querendo até mesmo ser árvore.
Caminhando, pode-se vislumbrar outro destino, e num momento maior, levar todas as dores para um tempo que nunca existiu...

Nenhum comentário: